terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Quando eu me vi te traindo
Eu me traí
Ao lembrar dos sorrisos
Eu me sorri

Ao te ter em meu rosto
Então eu me vi
Percebendo porém
Que vivias ali

Outras vidas tivemos
Quando vivi
O amor de alguém
Que não vive aqui

E tu segues em frente
Certa de ti
Semeando o poder
Que um dia perdi.
As teclas gritam
Falando do futuro
As vozes flutuam
Sobem e descem

Os magos tocam
Maestros do coro
Pensando no amor
Vivendo sozinhos

Antenas apontam pro céu
Como os braços dos crentes
No divino
Dizendo que algo vai voltar

E nos salvar
De nós mesmos?
Exterminação?
Ou alguma forma de viabilizar nosso egoísmo?

Levamos tudo
É só mais uma derrota
De tudo que devia ser feito
E não foi

Acumulação
Competição
Exumação
Somos futuros cadáveres

Presente. Presenteie.

Esqueça os filhos
As mulheres
Os homens
As crianças

E vamos morrer todos juntos.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Morava com os pais, ainda fumava escondido. Bebia cerveja, no máximo uma caipira. Tinha hábitos baratos, mas gostava de comer bem.
Além disso, não poupava dinheiro para ir e vir: gostava da rua. Encontrava menos desprezo nos muros acizentados do que nas pessoas.
Evitava a maioria dos contatos, até os mais superficiais. Apesar disso, era educado.
Cumpria com suas responsabilidades, ouvia poucas reclamações. Bom filho, bom namorado, bom colega. Bom trabalho, boas notas.
Amigos poucos mas que lhe acompanhavam, aparentemente, há meio século.

Morava sozinha, tinha queda pelos alucinógenos. Bebia cerveja, caipira, a cachaça e a garrafa. Não sobrava dinheiro para hábitos.
Vivia na rua, exceto quando lhe acometia o maldito panico. Pouco ligava para o desprezo, as pessoas ou o mundo. Desprezava mesmo o calor.
Contatos gritantes que rasgassem as máscaras ou nada. Escolher um dos caminhos e ponto. Não cabia educação na revolução.
Fazia o que queria, quando queria, se queria. Empoderada. Era boa pra ela e pra elas. Uma combatente.
Fazia amigos facilmente, desde que eles fossem loucos. Loucos no bom sentido. O que é ser louco, afinal?

Quando se cruzaram, não sabiam de nada. Apenas passaram um pelo outro na rua, nada demais. Mal se entreolharam; se apaixonar, jamais. A história deles não existiu. É assim na esmagadora maioria das vezes. Apenas insetos percorrendo caminhos pré-determinados sem influenciar absolutamente nada na vida um do outro. O que nos tornamos?

Quando se cruzaram, eu não os conhecia. Passei a observá-los na sequencia. Sim, segui um e depois o outro. Observar as pessoas é meu único hábito.
Escrever é meu trabalho. Sobreviver é minha sina.

escutei aquele álbum, lembrei. me chame de idiota, por favor.
não há o que lembrar em nós, às vezes me pego rindo da inexistência: nada importante.
gostos artificiais, contatos distantes, nada vai além do que se vê.
não sente mais nada.

sente-se. ou fique de pé. nunca quis determinar algo. nunca quis, nunca. quis. te queria, te quero.

a todas as mulheres que não me quiseram,
meu muito obrigado!
por me provarem mais uma vez,
como sou insuportável

a todos não amores,
desejei amá-las
por um minuto
ou pela vida.

nem as conheci
não sei do que gostaram
nem do que se encantam
muito menos o que sentem.

mas tremo ao lembrar seus corpos
seus sonhos
em que nunca estive
(ainda bem)

nem mesmo seus olhos me encontraram.

em que rua estão?
em que mundo estão?
além do meu

em que dia estamos?
mais um
menos um
outro dia.

não faz diferença
sem saber onde estão
sem saber quem está
dentro de mim.

tento te conhecer
pra esconder que não conheço
a eu mesmo
ou ao mundo.
A música começa a tocar e eu me lembro do que nem mesmo existiu.

Hoje senti cheiro de produto de limpeza durante todo o almoço. Todos sabem o quanto o olfato é importante pra mim.
O fato da casa não estar limpa me surpreendeu. Se estivesse em processo de limpeza, quem estaria fazendo aquilo?
A sujeira ainda estava no chão. Toda a minha escória, todos meus vestígios. Tudo que já fui e que ainda sou.
Não permitiria que alguém me levasse. Mas o cheiro permanecia, me incomodando. Até o barulho da limpeza eu já estava escutando.

Continuei a almoçar...

Tive medo de olhar para trás. Não tirava os olhos da comida. Mas então, de súbito, suspiro de coragem, me virei e varri a casa com os olhos: nada enxerguei.
O chão, as paredes, o teto, tudo estava limpo. Tão claro que eu podia me enxergar.
Há tempos não me via. Só via meus restos. Eles se foram, mas eu não sou novo. A limpeza acabou. Seu cheiro acabou.
Eu morri. Nós todos morremos. Limpos e velhos. Tudo que deixou de ser feito. Tudo que ficou pelo caminho. Tudo que acabou.
Recordo das noites em que fomos além;
Além das pessoas:
Nos amamos feito animais.

Fizemos do chão a nossa cama. A cama nunca foi nosso refúgio. Fizemos do chão então o nosso ninho. Não apenas de acasalar. No chão, estabelecemos o nosso lar.

A terra testemunhou nosso prazer. Toda a minha dor. Todo o teu fulgor. Explodiu num turbilhão de desejos. Tudo o que chamamos de amor.

Foi quando o mundo nos chamou. Exigência de equilíbrio. Nos alçou. Nos levou. Fez de nós só bons amigos.

De bom não ficou nada. Nem mesmo uma lembrança. Só nos resta a arrogância. De perder a esperança. Quando nada está perdido.